Trabalhadores e empresários vêem riscos na proposta de reforma da CLT
Régis Araújo

rojeto de nova consolidação das leis trabalhistas divide representantes de trabalhadores e empresários e advogados especializados. Apesar de o autor, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), garantir que não serão criados direitos, mas apenas reunidas normas que estão espalhadas em mais de 240 leis, o temor é o de que esse processo esconda alguma mudança no conteúdo das regras.

O projeto de nova consolidação das leis trabalhistas divide representantes de trabalhadores e empresários e advogados especializados. Apesar de o autor, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), garantir que não serão criados direitos, mas apenas reunidas normas que estão espalhadas em mais de 240 leis, o temor é o de que esse processo esconda alguma mudança no conteúdo das regras.

As centrais sindicais levaram, na semana passada, suas preocupações ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, informa que ainda será realizado um encontro com Vaccarezza. Ele reconhece que a atual Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, tem várias normas ultrapassadas, mas alerta que uma atualização não pode significar risco aos trabalhadores. "Sem uma mudança da estrutura sindical não queremos reforma trabalhista. Não tem sentido substituir a CLT por algo pior", justifica.

No lado das empresas, o projeto também não empolga. O presidente do Conselho Temático Permanente de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Dagoberto Lima Godoy, lamenta que o escopo da proposta de Vaccarezza é limitado e não aborda os altos custos financeiros dos empresários. Ele diz que esse problema poderia ser amenizado com a desoneração da folha de pagamentos.

Na opinião do dirigente da CNI, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) definiu, em 1998, os direitos fundamentais e eles são intocáveis. Mas acredita que as relações poderiam avançar muito se o restante pudesse ser negociado. "Este governo não tem vontade política de fazer as reformas trabalhista e sindical", lamenta.

O professor de direito do trabalho da Universidade de São Paulo (USP), Estevão Mallet, não vê grandes vantagens nessa consolidação de normas que estão esparsas porque os prejuízos serão maiores que os benefícios. "Lei nova traz dúvida sobre a revogação de normas e aplicação de dispositivos. É como mudar de casa. Por mais organizada que seja a mudança, sempre há confusão", adverte.

Em meio a tantas críticas, o autor do projeto apela para que as pessoas não confundam essa necessária reorganização normativa com uma reforma trabalhista. "Vamos trazer para a CLT normas que estão em mais de 240 leis e adequar o texto à Constituição de 1988. Reforma trabalhista é outra coisa", pondera.

Como exemplo da "limpeza" que deverá ser feita, Vaccarezza cita duas normas ultrapassadas sobre o local de trabalho que serão revogadas. São as que exigem pé direito de três metros e banquinhos para que as mulheres descansem.

A proposta de Consolidação das Leis Materiais Trabalhistas (CLMT) - vai evitar as normas processuais - reunirá, por exemplo, tudo o que há sobre participação nos lucros, trabalho aos domingos, 13º salário, férias com acréscimo de um terço, empregados domésticos, deficientes físicos, carga horária de 44 horas semanais e banco de horas. "O projeto apenas organiza a legislação e facilita a vida dos trabalhadores. Atualmente, é muito complicado saber quais são os direitos e isso acaba obrigando as pessoas a procurarem advogados e sindicatos", justifica Vaccarezza.

O advogado e professor da USP, Otávio Pinto e Silva, argumenta que o debate sobre uma nova consolidação das leis trabalhistas não é tão simples como parece. Cita que a organização sindical tem um capítulo na CLT com muitas normas que não foram expressamente revogadas. Há

as que definem detalhes do processo eleitoral nos sindicatos, mas, por outro lado, a Constituição garante a liberdade sindical.

Outro exemplo de polêmica que vai surgir na tramitação do projeto de accarezza, segundo Pinto e Silva, é sobre o banco de horas anual. Ele questiona se esse tipo de ajuste tem de ser negociado coletiva ou individualmente. Para o professor, as novas formas de trabalho sem subordinação típica também merecem ser regulamentadas. "O profissional que trabalha por meio da internet é empregado, autônomo ou pode ser pessoa jurídica?", pergunta. São os casos que Pinto e Silva chama de "parassubordinados".

Ao contrário do que muitos afirmam, Mallet diz que a lei trabalhista brasileira é boa quando trata dos contratos. O grande problema, na sua visão, é o da organização sindical. Ele lamenta a ausência de liberdade que a Constituição garantiu em 1988. Também critica a anacrônica unicidade sindical que garante a sobrevivência de sindicatos fracos, verdadeiros "cartórios" que não representam trabalhadores. Sem essa qualidade, não há como avançar nas negociações trabalhistas.

No início de dezembro, encerram-se os trinta dias para sugestões ao projeto de Vaccarezza. O deputado prevê que, em fevereiro, o texto será levado ao grupo de trabalho de 21 deputados . Entre eles, estão, Ciro Gomes (PSB-CE), José Carlos Aleluia (DEM-BA), Miro Teixeira (PDT-RJ), Antonio Palocci (PT-SP), Sandro Mabel (PR-GO), o relator Arnaldo Jardim (PPS-SP), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Rita Camata (PMDB-ES), Flávio Dino (PCdoB-MA) e Paulo Maluf (PP-SP).

A previsão é a de votar a matéria em abril na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, até junho, no plenário.

O Ministério do Trabalho também tem um grupo encarregado de estudar atualizações da CLT. Segundo o governo, o objetivo é preparar um anteprojeto de lei até o início de 2008. O secretário de Relações do Trabalho, Luiz Antonio Medeiros, coordena esses estudos, mas recusou-se a comentar o assunto alegando que as atividades ainda estão sendo iniciadas.

As polêmicas que inviabilizaram as reformas sindical e trabalhista, no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, continuam muito quecidas e os lobbies de trabalhadores e empresários já estão retomando suas ações no Congresso.

A CNI defende uma reforma trabalhista que possa adaptar a CLT ao mundo real para garantir competitividade nos mercados doméstico e internacional. "Precisamos parar de exportar empregos", alerta Godoy. Para Juruna, é inaceitável que não seja prevista na legislação, em pleno século 21, a presença de delegados sindicais nos locais de trabalho. As posições de empresários e trabalhadores ainda estão muito distantes. Godoy defende que a segurança do trabalhador tem de ser garantida no mercado, não na empresa. Isso significa reforçar a seguridade social e as políticas públicas de empregabilidade, reciclagem e qualificação das pessoas.

Fonte: Valor Econômico

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