A arte de fazer negócios que se diferenciam
Régis Araújo

O comerciante Alziro de Lima já está atrás de um novo achado exótico pelo simples prazer de ouvir transeuntes cruzarem à frente de sua quitanda, fincada na rua Riachuelo, número 1258, entre a avenida Borges de Medeiros e a rua General Câmara, e deixarem escapar sua surpresa. "Olha só que fruta diferente. Parece muito gostosa". As frases são literalmente saboreadas pelo dono do ponto com satisfação. "Meu desafio é esse: surpreender a clientela com uma novidade, de preferência toda semana".

O comerciante Alziro de Lima já está atrás de um novo achado exótico pelo simples prazer de ouvir transeuntes cruzarem à frente de sua quitanda, fincada na rua Riachuelo, número 1258, entre a avenida Borges de Medeiros e a rua General Câmara, e deixarem escapar sua surpresa. "Olha só que fruta diferente. Parece muito gostosa". As frases são literalmente saboreadas pelo dono do ponto com satisfação. "Meu desafio é esse: surpreender a clientela com uma novidade, de preferência toda semana". E nem pensar em adiantar ao Jornal do Comércio qual será a iguaria - a origem pode ser um pomar situado na África, na Ásia ou na catarinense Praia Grande, na divisa com o Estado - que ele acrescentará ao cardápio nesta semana.

Com sua imaginação a serviço do consumidor, Lima integra um time de empresários com sensibilidade diferenciada para perceber oportunidades e não as deixar escapar. O coordenador do Núcleo Empreendedor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Luís Alberto de Mello Villwock, diz que pessoas como o comerciante Lima aliam o prazer de desenvolver a atividade com a identificação de filões que exploram necessidades nem sempre explícitas. O fruteiro e a sócia Adriana Scarsi, uma típica imigrante da zona colonial do Noroeste gaúcho que se mudou nos anos de 1990 para Porto Alegre, conjugam atributos que explicam a manutenção e crescimento de negócios. "Não tem receita de bolo. A sensibilidade é que identifica a oportunidade", descreve Villwock.

A ideia de ser diferente é estratégia que funciona, assegura o coordenador. O tratamento dispensado ao cliente, que cria um ambiente para deixá-lo à vontade, é outra característica. O especialista lembra que há hoje uma certa onda retrô, que busca sensações do passado deixadas na memória do público, ou mesmo inovações com o uso da tecnologia. "É quase sempre assim: o primeiro contato é tão agradável que a pessoa volta. O crescimento é lento no começo. Persistência e carisma são imprescindíveis", previne Villwock.

Mas tudo tem de ser muito bem calculado. A dupla do Centro da Capital comprou a antiga mercearia há quatro anos. Já havia alguns itens diferenciados, mas Adriana e Lima radicalizaram. São hoje mais de 30 variedades de frutas, muitas delas trazidas do exterior, o que exige logística para assegurar produtos fresquinhos e de qualidade, além de pontualidade. A pitaya, mais conhecida como fruta do dragão, é originária do México e da Colômbia, e custa por unidade R$ 15,00. Do Chile, os sócios trazem morangos nativos. O kino é importado do continente africano. O mangostin vem da Ásia. E tem ainda a delicada physalis, dos Andes e região amazônica, a asiática lichia, cultivada em pequenos sítios no Sul, a banana de bugue, oriunda da Índia, e a laranja espanhola.

Os dois estão tão animados com a atração das variedades que pensam em investir no ponto, que desafia a famosa lei da física: dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Na fruteira, os produtos não se fundem, mas se empilham. O universo que sugere desorganização, mas que é bem pensado, deve ganhar mais sofisticação, mas sem alterar o ambiente rústico, de antigas quitandas, onde venda em caderninho ainda resiste ao cartão de crédito.

O prazer de assar unido à venda de carnes

O médico veterinário Zilmar Moussalle encontrou em três sócios - um fisioterapeuta, outro médico e para completar um educador físico - a motivação para abrir a Boutique Moussalle, localizada na avenida Neuza Brizola, 406, no bairro Petrópolis, na Capital. Incentivado por seu gosto e pela perícia em fazer churrasco, Moussalle aceitou o desafio para instalar o negócio que se esmera na qualidade de cortes, leia-se maciez, e na solução para assadores de fim de semana. "O cliente pode comprar a carne aqui sem medo de errar", valoriza Moussalle.

Cliente assíduo da casa, o advogado João Luís de Oliveira Rosa liga antes de aparecer. Ele quer ser atendido preferencialmente pelo veterinário, que repassa lições sobre o manejo dos cortes em churrasqueiras ou grelhas e outras curiosidades do ramo. Assador de fim de semana, Rosa admite que na boutique não tem medo de sair com carne dura. Para Moussalle, tudo se resume num só prazer. "De ouvir clientes elogiarem nosso produto".

Quem não consegue tirar um tempo para comprar no local, não precisa mais se estressar. Moussalle já tem tele-entrega.

"Mesmo que assador sempre goste de ver a carne que vai fazer, ele conhece o produto e aceita muito bem receber as encomendas em casa". O arsenal da Boutique se completa com queijos, vinhos argentinos e chilenos, cachaça gaúcha tipo exportação, especiarias, farinha de mandioca catarinense, sal com ervas e acessórios para churrasco, como o espeto com cabo de canela de avestruz. A administração do negócio é detalhe que pesa muito no resultado final. Moussalle tem pelo menos 32 fornecedores diferentes.

Passo a passo para garantir sucesso

  1. Antes de abrir a empresa ou ver o local de funcionamento, faça um estudo de oportunidade, levante suas aptidões, conhecimento sobre o tema e experiências de empreendedor.

  2. Pense no tamanho da empresa, local onde vai funcionar e número de funcionários.

  3. Faça uma boa análise de riscos, incluindo sazonalidade e ambiente econômico. Avalie quanto a situação da economia pode afetar ou ser oportunidade para um novo negócio. Pesquise incentivos tributários que o segmento pode ter dos governos.

  4. Faça um plano do negócio: coloque no papel tudo que foi levantado nos passos anteriores. Importante: liste as vantagens e desvantagens da iniciativa. Nesta etapa, o empreendedor deve concluir se terá ou não condições de abrir o negócio, o que assegurará a viabilidade.

  5. Organização da atividade: hora de definir se a empresa será individual ou limitada, se terá mais de um sócio, etc.

  6. Apure o valor do investimento e como obterá os recursos, se terá capital próprio ou se será necessário buscar crédito e em quais organismos poderá obter financiamento e qual será o custo.

  7. Localização: pense no mercado que pretende atuar, na concorrência existente, nos fornecedores, na infraestrutura que deverá ser montada e no público que reside na região e será potencial cliente.

  8. Constituição da empresa: é a etapa de formalização. Envolve procedimentos de registro na Junta Comercial. Busque orientação com um contador para ter suporte na documentação.

  9. Capacitação empresarial: não é item obrigatório, mas pode aumentar as chances de sucesso do negócio. Envolve noções de gerenciamento, organização, gestão de pessoas, área financeira e relação com fornecedores.

O fermento que dá resultados

Todo negócio que se preze almeja crescer e multiplicar. A chef de cozinha e proprietária da boulangerie Carina Barlett, simpática construção na esquina das ruas Vasco da Gama e João Telles, no coração do bairro Bom Fim, cujo nome é o do próprio negócio, resiste com convicção admirável à tentação. A razão é simples. Carina comanda feito uma maestrina a orquestra de fazer pães à moda francesa. A jovem, que aprendeu aos cinco anos com a avó nativa da França a cozer bolinhas de massa fermentada, rende-se a um processo eminentemente artesanal. Difícil encontrar padeiros com o domínio da técnica, justifica. Hoje as padarias são dominadas pelas misturas prontas.

Ela mesma teve de formar seus aprendizes - uma artista plástica, uma professora primária e um técnico de informática, mas nem por isso descuida da cozinha. Antes das 6h, já está no prédio, de onde só sai no final do expediente. Prepara, com segredo pragmático, os fermentos naturais - de laranja e batata. A temperatura da farinha é calibrada. A umidade relativa do ar é vigiada. Tudo para procriar delícias como o croissant, a baguete e pãezinhos franceses. A chef desenvolveu fórmulas próprias, mas busca se aproximar dos clássicos. O brioche, devorado quente, é campeão de vendas.

Na fábrica de criações, guarnecida pelas paredes da construção com dois andares e vidraças quadradas - seguindo as casas parisienses, Carina aplica com maior zelo a máxima da avó: nada é mais longo que um dia sem pão. Efeito do cuidado com que montou o negócio, foi a decisão recente de gerar filhotes. Ela e o marido abriram a La Quiche. A loja das tortinhas está na rua Barros Cassal, onde a boulangueria começou em 2005, num espaço de 30 metros quadrados, bem diferente dos 218 do endereço atual. Nos planos da proprietária está a ampliação das variedades. Além de franceses, pães alemães. Com isso, Carina terá de se distanciar por um período da empresa, para fazer cursos no país europeu. Será o primeiro teste para seus colaboradores.

A clientela há muito deixou de ser a da vizinhança. Ao lado da fermentação das vendas, a casa atraiu moradores de bairros distantes. Carina diz que muitos tentam convencê-la a abrir uma filial. Ela se delicia com a provocação, mas a descarta. Trata-se de controle de qualidade, levado ao extremo da diferenciação que caracteriza o espaço. Mais um detalhe: quem sonha comprar pão cedinho da manhã feito pelas mãos de Carina, não encontrará o ponto aberto. Como filosofa a avó da empresária sobre dias mais longos, a casa, que abre às 12h (com exceção de sábados e domingos, a partir das 9h), só fecha às 21h, com a certeza de não deixar que faltem pães para jornadas sem hora para terminar.

Pesquisa antes de abrir as portas

O casal de comissários Senéia Casares e Urubajá Rodrigues da Silva maturou durante anos a meta de abrir um negócio. Já tinha até o ramo: alimentação, mais especificamente carnes combinadas a artigos, como bebidas selecionadas e especiarias. O perfil da Casa de Carne Assador, que estreou em meados de dezembro do ano passado, também trilhou a paciência de Senéia e Silva. Em suas viagens internacionais, entre um voo e outro, os dois visitavam empórios na França, Itália e Espanha. Em 2007, o projeto estava definido, mas faltava o endereço. Por meses, entre um orçamento e outro e levantamento de custos, o casal identificou a oportunidade: estabelecer-se na zona Sul, em uma região com condomínios emergentes e com a aposta firme de que as famílias buscam facilidade, qualidade e serviço.

Mesmo sem experiência anterior como empresários, a dupla resolveu um item que pode arruinar qualquer negócio: o endereço. A supervisora do Sebrae-RS na Região Metropolitana, Isabel Aguiar, reforça que a regra vale para qualquer perfil de empreendimento. "Diferente ou não, irreverente ou convencional, pesquisar a oferta de eventuais concorrentes e avaliar o perfil da clientela do bairro é um bom começo", orienta.

Tudo porque o mercado é cada vez mais concorrido e ser diferente não é tarefa que se resolva em qualquer esquina. "Só dá para saber se é diferente depois de identificar o que a concorrência está fazendo", alerta. Para reforçar a recomendação, a supervisora lembra que 80% dos pequenos negócios não ultrapassam a barreira dos cinco anos no Brasil. Entre as razões, Isabel elenca: falta de informação, de vocação, de planejamento, administração ineficiente e impaciência pelo lucro.

Senéia admite que os dois fizeram levantamento. Avaliaram a melhor localização e ela estava, lá, no comecinho da avenida Aparício Borges, número 11, num prédio à venda e que permitiria montar o sonhado empório, com a rusticidade que os dois planejaram e espaço para montar cada etapa da casa. Os dois juntaram todos os recursos possíveis e aplicaram R$ 300 mil na instalação do negócio. No cardápio, cortes selecionados, vindos de frigoríficos que monitoram os animais a serem abatidos desde o pasto.

No cardápio da casa, tem salsichão de cordeiro, picanha de ovelha, carré francês e a chamada carne orgânica. Ainda vinhos selecionados e tratamento de classe para as carnes no balcão. "Não misturamos frango com suíno, ou carne de boi com cordeiro", descreve Silva. Novidades começam a ser agregadas. A clientela anda pedindo carne assada pronta, para comer em casa. "As pessoas querem facilidade", interpreta a comissária. Não era bem o que havia sido planejado, mas o estabelecimento deve ganhar em breve um espaço simples com churrasco, sem desfigurar a ideia original. Tele-entrega também entrará em breve no cardápio.

Fonte: Jornal do Comércio

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